sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Reação - Episódio III

Os escritos abaixo foram concebidos por mim meio à um desânimo imenso, fruto de uma aversão notória ao esforço, ao trabalho e ao estudo. Foi uma estratégia para compreender a importância do empenho; sei o quão penoso foi o caminho daqueles que me brindaram com a confortável vida a qual possuo; se posso lutar pelo que eu quero hoje, é graças àqueles que labutaram intensamente para me dar as melhores oportunidades. Reconheço, finalmente, a grandeza do trabalho árduo e os frutos que o mesmo proporciona.

"Dezessete horas! A quentura do ar misturada ao suor que flui vertiginosamente pelo meu corpo me desassossegam. Quem sou? Um sujeito fatigado, imundo e escaldado em meio ao roçado, com a enxada em mãos. Eu não vou parar, apesar da súplica dos meus músculos, exaustos... Não! Eu sigo em frente, meu guri não merece essa vida. Sim, sei quem sou: um indivíduo ignóbil, que sequer aprendeu a pensar direito, um bruto, um servente. Mas, hoje, meu filho completa um mês desde que nasceu e a única certeza que tenho é que suas mãozinhas tão pequenas e macias não se enrijecerão tais quais as minhas, meu filho não precisará usar trajes sórdidos, morar em uma choupana empoeirada e trabalhar até fisicamente desfalecer. Não, meu filho não... Por Deus, melhor parar de refletir, esses pensamentos só atrasam meu trabalho. Sem vacilar, sigo na lida até as vinte horas, duas horas a mais que o habitual, receberei uns trocados a mais pelo esforço e preciso do dinheiro. Meu bebê nasceu doente e tão pequenino, urgentemente, ele precisa ver um médico... Malditas sejam as lágrimas que agora escorrem do meu rosto, disfarçadas junto ao suor do meu corpo. Ah, sem mais bobagens, preciso dedicar-me ao serviço com mais afinco. Meu filho não será um sujeito vil como sou eu... meu esforço o libertará!"


Vincent van Gogh, El Sembrador (1888)